Mulherio das Letras

Um marco histórico cravado em João Pessoa

Durante quatro dias em João Pessoa tentei, todas as noites, escrever sobre o nosso encontro. Os dedos permaneciam em prontidão, aguardando alguma mensagem do cérebro que pudesse ser decodificada e transformada em palavras, mas nada saía. Os dias por lá terminaram, retornei à casa e o turbilhão de informações e sentimentos perduram. Descansada no sofá revejo fotos, acompanho as postagens das novas amigas de infância, sinto saudades de cada frase dita, cada abraço, risadas, os papos intermináveis sobre as obras de uma e de outra, a ansiedade por cada evento da programação, a vontade de me desdobrar em três, quatro ou mais, pra não perder nenhum deles.

Sento diante do computador e as palavras permanecem agarradas. Penso que não queiram ser ditas agora, porque já o foram à exaustão nos últimos dias. Penso nas pessoas incríveis que conheci pessoalmente e talvez as palavras não ecoem, por terem ecoado em gestos e sorrisos. No entanto, percebo é que as palavras não saem porque não as encontro. Busco, remexo, rastreio e fico sem saber o que dizer de Henriette Effenberger, a quem abordei na porta da Casa de José Américo para me apresentar e contar que ela tem o mesmo nome de minha irmã. Falta vocabulário suficiente para falar de Rosângela Vieira Rocha, que conheci por acaso, na Flip, e que em João Pessoa já nos sentíamos amigas de longa data. Sinto-me completamente incapaz de descrever o tanto que nossa mentora Maria Valéria Rezende me sacudiu por dentro, e por tabela, a irmã, Viviana Rezende, que nos trata com intimidade logo no primeiro contato. Como definir Stella Maris Rezende, Marilia Kubota, Solange Padilha, Líria Porto, Márcia Maia, Rosana Chrispim, Cris Nobre, Valeska Asfora, Tati Fraga, Tereza Andrade, Jeanne Araujo, Patricia Porto, Clara Arreguy?? Como retratar o que senti e sinto por Nic Cadeal? Realmente me faltam palavras.

O que posso dizer, então? Que iniciamos um movimento histórico.

O grupo de mulheres escritoras, que com Maria Valéria arregaçou as mangas para reunir o Mulherio das Letras na Paraíba, cravou um marco na trajetória da literatura do país. Éramos poucas, diante de um universo gigantesco de autoras invisíveis Brasil afora, porém éramos muitas, pois apesar de todos os empecilhos para encarar uma aventura de tal porte, estávamos lá, dispostas a mudar o rumo dessa prosa que até agora privilegia o universo masculino, seja nas editoras, nas prateleiras das livrarias, na imprensa em geral.

Como ficou bem combinado desde sempre, a organização do encontro foi horizontal. Cada uma fez sua parte, para mais, para menos, dentro das possibilidades. O resultado foi um evento que se estruturou conforme foi acontecendo. Um exemplo, logo no dia da abertura: Tati Fraga sentou ao meu lado e de outras companheiras e perguntou quem poderia colaborar na cobertura para a página do Mulherio. Eu e mais algumas topamos e a partir do primeiro dia pude ajudar com fotos e notas da programação.

No fim das contas, ouso dizer que todas nós organizamos e realizamos o Mulherio em João Pessoa. Relatei isso num comentário na rede social e repito aqui: as autoras montaram suas próprias mesas para venderem seus livros, nós todas puxamos e carregamos cadeiras e mesas, mulheres que fizeram suas performances prepararam praticamente sozinhas seus ambientes, todas trabalhamos de alguma forma na divulgação. Todas fizemos de tudo um pouco. E é desse modo que acredito na construção de um movimento.

Experiências existem para que se tire delas o melhor, e desse melhor fazer ainda melhor. Abrimos nós mesmas o nosso nicho e dele ninguém mais nos tira. Descobrimos que podemos contar umas com as outras, ler umas às outras, e que somente agindo assim, coletivamente, ganhamos e garantimos a força necessária para que a literatura escrita por mulheres ocupe o espaço que é seu por direito. Como bem diz Maria Valéria Rezende, “não temos de pedir permissão pra ninguém”. É isso.