Domingo de chuva, tão dela

Não é a primeira vez nem a última que digo: adoro dia cinza, quase preto; adoro chuva, fina ou grossa, fria ou quente; adoro relâmpagos, trovões, ventania; adoro um domingo inteiro dentro de casa, com olhares furtivos pela janela a divisar um pedaço do céu escuro, pesado. Parece depressivo, mas, não há prazer na depressão, ao contrário, me compraz o tempo negro que vislumbro agora.

Na família dizem que absorvi o discurso da irmã, que também gostava de dias assim. Tanto, que no momento de morte foi a imagem mental de uma chuva fina que a serenou, para ir em paz.

Não absorvi o discurso dela; talvez seja esta uma das muitas semelhanças entre nós, e que nos fizeram realmente irmãs, além do sangue de pai e mãe correndo nas veias.

E nada como um fim de semana de nuvens densas para tornar mais denso o rosto dela na memória; nada como o ruído da chuva na árvore, na madrugada, para me trazê-la em sonho, sorridente, a me ouvir os desabafos, como fazia quando estava por aqui; nada como este dia tão dela, para lhe sentir o perfume na brisa que entra pela porta entreaberta da sala.

Converso com uma amiga comum, que antes foi dela e hoje também compartilha comigo seus dias. Ela diz o mesmo sobre o sorriso inesquecível, os cabelos de muitos cachos, os papos engraçados, da beleza singular. Comentamos da falta que faz contar-lhe novidades, dividir alegrias e conquistas, saber que estaria sempre por perto. Não dou continuidade. Paro e quase choro. Respiro fundo. Prometi, jurei não chorar mais. Ela detestaria esta cena.

Olho de novo a janela. Agora escurece. É mais um domingo que passa e na lembrança outros domingos em que juntas ríamos em família. Não sai da memória o olhar brilhante e atento a me ouvir os lamentos na noite de sonho. O vento da porta gela meus pés. A tarde se esvai. Saudade que fica.