Minha casa sou eu

Chegar em casa tem sido um dos melhores momentos dos meus últimos tempos. Resolvo, passo a passo, todas as pendências na rua e, já no caminho, uma parte de mim se sente confortável no seu canto. O prazer cem por cento começa logo que fecho a porta às minhas costas. Viro a chave e respiro fundo.

Reclusão é a palavra da vez: não escondida, mau humorada, ranzinza. Sim, buscando serenidade; realizo as tarefas com calma, inspiro meus ares a cada movimento, trabalho sem trégua, no entanto sem desespero, abafamento ou cobranças.

Minha casa me recebe como um abraço longo e restaurador. Tem os lugares prediletos, o meu café, a mesa de trabalho, a bancada onde crio e construo. Tem a Bernadete, a Zoraide, a Flora, a Filó e o Chico, que compartilham do meu silêncio, com carinho e amizade. Tem diante da janela o meu sofá; dali olho o céu, curto a brisa nas plantas da varanda, voo longe levada pelo vento da tarde.

Porém, mais importante que cada canto, objeto ou criatura, é na minha casa, na minha introspecção, que recebo a mim mesma, dentro desse corpo que me abriga. Eu me recolho a esse lar recôndito, em que somente me cabe e que só por mim é conhecido.

Desta forma me vejo, escuto e sinto. Entravo diálogos com a carne, ou assisto, a mim e à carne, em debate. Abro as janelas de mim e descubro a sensação de enxergar o mundo por uma perspectiva diferente; sim, diferente, porque é sempre nova, nunca se repete. Ouço as várias vozes que de mim dizem verdades surpreendentes ou às vezes cruéis. Olho nos olhos dos meus desejos, tento retirar lá do âmago as questões escamoteadas, tento saber por que me escondo dos meus sentimentos.

Pessoa querida disse que reclusão faz mal, que é um certo “lá” é o lugar em que tudo acontece, e que é tempo desperdiçado estar em silêncio e só. Muitos bichos hibernam, outros simplesmente se recolhem por algumas horas, quando o instinto pede uma pausa. Nós, mamíferos, temos muitas semelhanças e não creio que seja bom para a saúde negá-las.

É na minha reclusão que busco fazer nascer, a cada dia, uma vida nova, que não se repete tal e qual à de ontem. É no fundo desse corpo no qual resido, desse meu verdadeiro lar, que descanso realmente, que me recarrego, que me renovo e encontro a galhardia para recomeçar inédita.

Não é uma brincadeira, não é fácil. Na verdade é um exercício. É preciso abdicar do que chamo de insignificâncias, pra ter poder de significar de modos distintos.

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