Quarenta e duas rosas brancas

Assisto à chuva pela janela e me lembro da mulher que jogou quarenta e duas rosas brancas para Iemanjá à meia-noite do dia 31 de dezembro. Sob a tempestade, lá estava, segurando com uma das mãos o guarda-chuva – que não guardava nada –, e na outra, a sua oferenda. Ajoelhada à beira d’água, fez sua prece, agradecendo por estar viva, por ter conseguido retornar àquele lugar, depois do ano que passara. Jurou que voltaria, porém era incerto. Da última vez que estivera ali, despediu-se com pesar. Olhou para o mar com lágrimas na face: “Eu vou voltar”. Foi quando fez a promessa à rainha.

Quarenta e duas rosas brancas. Quarenta e dois anos completara dias antes de encerrar o mês. No começo do ano, sem saber se teria um aniversário novamente, ofereceu o mesmo número da idade que faria em quantidade de rosas para Iemanjá, para que pudesse vencer a adversidade que a acometera e regressasse ao seu recanto de repouso.

A cada rosa, um agradecimento. Ou um pedido. Sem parar de chorar, sozinha na chuva forte, gritava suas orações com os braços abertos e os olhos para o alto. Chorava e sorria. Chorava e soluçava. Demorou. O temporal deu uma trégua, à medida que os soluços foram se espaçando e o pranto se tornou silêncio. Corpo molhado, joelhos na areia, deu mais um suspiro de gratidão e se ergueu devagar. Cumprira o ano, a promessa.

Quarenta e duas rosas. Quarenta e dois anos enfim completados.

Poderia fazer planos, curtir e celebrar a vida, tomar sol, optar pela forma que gostaria de se conduzir, apreciar sua cerveja, fazer sexo inteira, viajar sem temor, reaprender a ser dona do próprio corpo. Reaprender tanta coisa…

Anos se passaram e, em uma conversa recente, acabou por relatar esse episódio (dentre vários ocorridos naquele ano). E foi tão marcante verbalizar o que vivenciara no réveillon à beira-mar, que a mente se abriu para outros detalhes dessa experiência. O tempo não parou e a mente também não. Há muitas questões enterradas no inconsciente, sendo exumadas de pouco em pouco. Há muito que fazer com as informações que agora vêm à tona. É preciso descobrir uma forma de desconstruir os reveses, para viver plenamente – se é que isso é possível. É preciso descortinar o poder de transformar.

Vai ter um bocado de trabalho pela frente, a mulher. A chuva lá fora me traz à memória aquela noite de afirmação, de sua expressão determinada, com os olhos no horizonte escuro de temporal. Ela segue seu rumo, caminhando devagar, com os pés cravados no chão, fazendo de cada dia um, na complexidade da existência.