No Jardim do Ogro

Ela pode chocar, mas não surpreende. Não pelo tema. “No Jardim do Ogro” (Tusquets, 2014) é o primeiro romance de Leïla Slimani, embora “Canção de Ninar”, de 2016, tenha sido seu livro de estreia, com boa recepção por leitores brasileiros. Entre os dois, prefiro “Canção de Ninar”.

Para um primeiro romance, dá gosto ver a ousadia de Leïla em tocar de modo tão descarado num grande tabu: a compulsão sexual de uma mulher. Não a compulsão apenas como desejo, em função de uma vida sem graça e sem prazer nenhum, em função de uma rotina com um marido que não faz sexo e quando o faz, é um “sexo quadrado”, quase no sentido geométrico. Trata-se da compulsão como doença emocional/psíquica.

Passei o livro todo entendendo o comportamento de Adèle como uma explosão de emoções represadas, para depois concordar com o marido, que a considerou doente, como qualquer outro paciente viciado que já passara por seu consultório médico.

Sim, claro, vítima do machismo, que a expõe à sexualidade muito cedo; da sociedade que exclui mulheres, principalmente pobres; do casamento por comodidade; da falta de sentido em tudo isso e em todo o resto. Adèle acumula desejos, acumula uma bomba sexual, que nunca explode; se retroalimenta. Não só busca a satisfação do seu apetite, como se machuca e se deixa machucar.

Por outro lado, há o marido, que também carrega uma fragilidade emocional ou uma doença psicossocial qualquer. Não gosta de sexo, jamais se abriu para as diversões sexuais, sequer curte o assunto entre amigos e se casou somente para ter uma família convencional. Se fossem meus amigos, diria que ambos necessitavam de terapia urgente.

A narrativa da Leïla Slimani é primorosa. Frases curtas, secas, diretas, porém não permite desgrudar os olhos. Ela tem uma habilidade incrível para passar pelos tempos diversos da narrativa – vai e volta e leva o leitor a conhecer os meandros da história em seus vários aspectos, que influenciam ou irão influenciar os personagens até o desfecho. Em Canção de Ninar, a autora inicia a narrativa pelo fim e retorna no tempo, até a história culminar com a cena descrita na primeira página. Simplesmente brilhante.

No final de “No Jardim do Ogro”, ela me lançou no rosto uma enorme interrogação, a ponto de voltar uma página, com o sentimento de “acho que perdi alguma coisa” para, em seguida, soltar um suspiro e dizer: “Ah! Isso é Leïla Slimani!”

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