É simples: porque ela não quer

Não estou no meu lugar de fala, porque sou mãe, muito satisfeita por sinal, só que preciso me manifestar sobre mulheres que optam por não ter filhos. Sim, optam. Elas podem optar. Melhor: estão conseguindo falar a respeito. Estão conseguindo soltar a voz, se desprender do aprisionamento que é ser mulher em todas as situações definidas e estabelecidas por uma cultura determinada pelas necessidades do capital e dos homens.

Somos animais mamíferos, temos um sistema reprodutor perfeito, podemos gerar prole, amar nossos filhos e sermos felizes com nossas decisões. Se for uma decisão; não uma imposição. Ainda quero crer que o ser humano seja uma criatura racional (apesar de todas as irracionalidades a que assistimos diariamente), portanto pode e deve pensar, escolher, resolver, por sua própria conta e risco, tudo o que tenha a ver com sua vida. Não esquecendo que, ser humano = mulher ou homem.

O processo civilizatório, que é evolutivo, permanente e não anda pra trás (apesar de tanta coisa, de novo…) nos tem dado a duras penas oportunidades de botar a boca no trombone e dizer não, não sou obrigada. Não sou obrigada a ser esposa, a ser empregada de marido, a ser submetida, a dar filho pra homem. Era assim que a coisa funcionava até bom pouco tempo. A mulher era considerada legalmente incapaz e precisava de autorização do marido para estudar, ter uma profissão, até receber uma herança e administrar os próprios bens.

Houve o tempo em que o projeto de toda mulher era ser esposa e mãe. Porque não havia alternativa, porque o sustento vinha do homem, porque eram os costumes a serem seguidos geração após geração. Não havia a menor possibilidade de a mulher não querer. Ela não tinha consciência de que podia querer. Hoje mesmo muitas têm dificuldade em assumir o poder sobre si mesmas, por causa dos mandatos culturais históricos.

E não basta apenas ter consciência; é preciso ter uma galhardia tremenda pra superar obstáculos encravados por uma sociedade capitalista que necessita da reprodução de mão-de-obra constante. Exemplo: a absurda Lei da Laqueadura, que garante o direito ao planejamento familiar, porém estabelece que cirurgias de laqueadura e vasectomia sejam realizadas com autorização dos cônjuges, desde que tenham mais de 25 anos ou pelo menos dois filhos vivos. É unânime entre os médicos que a decisão pela esterilização na maioria das vezes parte da mulher, no entanto, sem a assinatura do marido, o direito ao procedimento passa a ser relativo. No caso dos homens, embora a lei determine que a mulher deve concordar com a cirurgia de vasectomia, ele simplesmente vai lá e faz. Os médicos não se impõem, nem pressionam com uma infinidade de empecilhos.

De acordo com os argumentos jurídicos, o casamento é uma sociedade em que todas as decisões devem ser compartilhadas e autorizadas por ambos os ‘sócios’, mas o corpo que gera filhos é da mulher! Mais uma vez entra em questão o direito dela pelo próprio corpo. E filhos não são parte de um negócio.

Também se justifica o apoio dos médicos na lei, por risco de um possível arrependimento. Nesse caso, é a mulher quem deve exercer o direito de arcar com as consequências de sua resolução. De novo: o corpo é dela!

Outro exemplo descabido: quem vai cuidar de você na velhice?

Aqui, vem cá, no pé do ouvido: não é obrigação de filho cuidar de mãe – ou pai – na velhice. É, no mínimo, muito cruel tal cobrança. No meu caso, não engravidei para dar filho a marido, não engravidei sem querer, não engravidei para cumprir o rito da reprodução. Eu quis ter um filho, foi escolha parir e educar uma criança – hoje um homem. Não tenho o direito de cobrar dele que um dia pague pela minha escolha. “Ah… tá falando asneira, você vai querer envelhecer sozinha!?” Não é questão de querer ou não querer; é circunstancial. Nem sei se vou envelhecer, posso morrer antes, ou ir embora pra longe, ou ele ir embora pra longe, quem vai saber? Os mandatos é que são tiranos.

Para concluir, é necessário ter a clareza de que nenhuma mulher nasceu para procriar. Há que se ter vocação para ser mãe e principalmente o desejo de ter filhos. E a decisão deve ser dela, a dona do corpo que gera, que dá à luz, que amamenta e que na maioria dos casos – ainda e infelizmente – assume os cuidados e responsabilidades sozinha.